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A farsa dos grupos de terapia para gays

Sergio Viula, um dos criadores do grupo que defende a “cura” da homossexualidade, se assume como gay e diz que tratamento é uma farsa.

Por Gisela Anauate

 

O carioca Sergio Viula, de 35 anos, foi um dos fundadores do Movimento pela Sexualidade Sadia (Moses), ONG evangélica que dá auxílio a pessoas que desejam abandonar a homossexualidade. Chegou a ser pastor da Igreja Batista, casou-se e teve dois filhos. Há um ano e meio, porém, assumiu ser gay, deixou a igreja e rompeu o casamento. Viula, atualmente professor de Inglês e estudante de Filosofia na Uerj, conhece como poucos os métodos dos grupos de ”reorientação” sexual. Sabe que não funcionam e critica o projeto de lei do deputado estadual Édino Fonseca (PSC) que prevê o custeio de tratamento psicológico para pessoas interessadas em ”virar heterossexuais”. O texto, condenado por psicólogos e psiquiatras, já passou por três comissões na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e pode ser aprovado até o fim do mês.

(Obs: A entrevista é meio antiga. O projeto de Lei não foi aprovado)

ÉPOCA – Como surgiu o Movimento pela Sexualidade Sadia, que atua em várias denominações evangélicas?

Sergio Viula – O objetivo era a evangelização de homossexuais, que nada mais é do que fazer proselitismo religioso. Pretendíamos mostrar que a homossexualidade não é natural e deveria ser abandonada pelos que quisessem agradar a Deus. O Moses também queria dar uma resposta aos grupos gays, que tinham espaço na mídia.

ÉPOCA – Como o grupo pretende reverter a homossexualidade?

Viula – Vendem uma solução, enchendo as pessoas de culpa. No tempo em que eu estava lá, ouvia relatos de sofrimento e tentava arrumar razões para a homossexualidade, sempre ligadas à desestruturação familiar ou a traumas. Era um absurdo. O discurso do Moses é homofóbico e cruel: ”Jesus te ama, nós também, mas você precisa deixar de ser gay”. O homossexual continua sentindo desejo, mas com um pé no prazer e o outro na dor, com sentimento de culpa, medo, auto-rejeição. Criávamos uma paranóia na cabeça deles.

ÉPOCA -Quando você percebeu que o ”tratamento” era uma farsa?

Viula – A gota d’água foi quando um rapaz soropositivo, que chegou a ser da diretoria do Moses, morreu. Ele havia se envolvido sexualmente com dois integrantes do grupo. Um deles estava tão apaixonado que chorou mais que a viúva no enterro. Comecei a pensar que o grupo não funcionava nem para os que estavam dentro dele.

ÉPOCA – Nem para você?

Viula – Sou o melhor exemplo de que não existe ”cura” da homossexualidade. Sabia que era gay desde os 16 anos. As pessoas que dizem que mudaram, na verdade, continuam sentindo desejo. Um padre que é celibatário e heterossexual não deixa de ser heterossexual porque é celibatário. Um homossexual que não transa porque quer ä renunciar a isso pela fé é gay. Só não está em atividade.

ÉPOCA – O que acontecia nos bastidores do movimento?

Viula – Uma vez criaram uma célula de homossexuais que se reunia na Tijuca para fazer uma espécie de terapia em grupo. Em vez de virarem heterossexuais, começou a rolar paquera. Tinha gente que saía da reunião para namorar. Dentro do próprio apartamento que sediava os encontros aconteceram experiências sexuais. A célula acabou cancelada. Outra situação absurda ocorreu em um congresso da Exodus – grupo cristão internacional que combate a homossexualidade – em Viçosa. Os caras paqueravam e ficavam juntos durante o evento. A mensagem da militância gay, que se reuniu na porta, era: ”Nos deixem em paz”. Lá dentro, dizíamos que Deus transforma. Mas quem estava no evento fazia o mesmo que o pessoal de fora (risos). Era uma incoerência total.

ÉPOCA -Sua saída do Moses coincidiu com sua ‘’saída do armário”?

Viula – Sim. Há três anos abri o jogo com as lideranças da Igreja Batista e do Moses e me separei de minha mulher. Depois de um mês isolado, voltei para o casamento e para o Moses. Tinha chegado à conclusão de que era gay, mas não tinha resolvido a questão de fé em minha cabeça. Dois anos depois, me desliguei de vez.

ÉPOCA – Como sua família reagiu?

Viula – A relação com minha ex-mulher é amigável, mas com meus pais está extremamente abalada. São evangélicos e negaram a vida inteira que tinham um filho gay. Não suportaram ouvir de mim o que sempre quiseram esconder. Não nos falamos mais. Tenho um filho de 9 anos e uma menina de 12. Contei a verdade a ela e expliquei por que não podia continuar casado. Ela diz que me ama e não tem vergonha do pai.

ÉPOCA -A mensagem evangélica alimenta a homofobia?

Viula – A maioria dos evangélicos discrimina. O deputado Édino Fonseca é notadamente desequilibrado. Disse na Assembléia de Deus que os gays desejam fazer clonagem para criar um exército e dominar a sociedade. Há muitas pessoas desinformadas nos templos e, para elas, o gay é inimigo em potencial. O Moses deveria orientar as famílias assim: ”Seu filho é gay, mas pode ser saudável, bonito, inteligente e bem-sucedido, como qualquer heterossexual”. Isso nunca foi feito.

ÉPOCA -Você atualmente freqüenta alguma igreja?

Viula – Não. Mas isso não está só relacionado a minha homossexualidade. Conheço muitos gays que são religiosos. Abandonei a igreja por pensar que o Deus cristão é um mito. Mas acho importante militar por uma abertura na igreja. Como grupo social, ela tem de ter uma representatividade gay para não ser discriminatória. Não sou ativista, mas incentivo os movimentos gays, sobretudo o de Luiz Mott (Grupo Gay da Bahia), que foi massacrado por nós, do Moses. Neste ano, fui à ParadaGay do Rio pela primeira vez como homossexual assumido. Antes ia como evangelista. Foi uma experiência maravilhosa. Nunca estive tão em paz.


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